Sinopse

"Neste espaço encontra-se reunida uma coletânea dos melhores textos, imagens e gráficos sobre o futebol, criteriosamente selecionados e com o objetivo de contribuir para a informação, pesquisa, conhecimento e divulgação deste esporte, considerando seu aspecto multidisciplinar. A escolha do conteúdo, bem como o aspecto de intertextualidade e/ou dialogismo - em suas diversas abordagens - que possa ser observado, são de responsabilidade do comentarista e analista esportivo Benê Lima."

sábado, novembro 30, 2013

Mirella Domenich, gerente geral da Streetfootballworld

"A paixão pelo futebol pode canalizar o jovem para outras áreas da vida", diz
Guilherme Yoshida / Universidade do Futebol
Inclusão
Foi do assassinato do zagueiro colombiano Escobar, após marcar um gol contra na Copa do Mundo de 1994, que surgiu a ideia para a criação de uma das maiores organizações que promovem o desenvolvimento social por meio do futebol no mundo atual.
De lá para cá, a Streetfootballworld transformou uma metodologia conhecida como “Futebol 3” em política pública e hoje em dia tem presença em 60 países.
No entanto, dentro do Brasil, onde existe desde 2010, a ONG enfrenta as mesmas dificuldades que qualquer outra entidade para desenvolver um trabalho social com crianças e jovens.
"Acredito também que falta as empresas pensarem além das leis de incentivo. Falta um entendimento destas potenciais empresas apoiadoras destes projetos em relação ao trabalho desenvolvido pelas organizações. Por que sempre há muita sinergia com as empresas quando se quebra essa barreira do desconhecimento", afirma Mirella Domenich, gerente geral da Streetfootballworld, em entrevista exclusiva à Universidade do Futebol.
Além da falta de uma legislação específica para a promoção do desenvolvimento social no Brasil, a especialista ainda aponta que os clubes também deveriam ser cobrados pela responsabilidade social no futebol nacional.
Para ela, os dirigentes teriam de pensar no jovem em formação como um ser humano completo e não somente como um jogador de futebol.
"Há muitos trabalhos de formação de jovens atletas sem essa preocupação pessoal, social e profissional de forma conjunta. Afinal, é um ser humano que está entrando no clube. É um cidadão. E o clube não pensa nessa responsabilidade. Isso ajudaria no desenvolvimento até do próprio país", completa.
Nesta entrevista, Mirella ainda falou sobre como a Streetfootballworld se tornou consultora da Fifa no projeto Football for Hope e quais as características que o futebol possui que são mais benéficas para um projeto social. Confira:

Universidade do Futebol – Por favor, nos descreva como é desenvolvido o trabalho da Streetfootballworld?

Mirella Domenich – A Streetfootballworld é uma ONG internacional, fundada na Alemanha em 2002. Mas, foi em 1994, quando houve aquela morte do zagueiro Escobar após marcar um gol contra na Copa do Mundo que um dos fundadores, que morava na Colômbia, se sensibilizou com aquele fato e começou a desenvolver um projeto chamado Futebol para a Paz, que fazia uso deste esporte para combater a violência nas ruas daquele país.
Esse trabalho tinha como base uma metodologia conhecida como Futebol de Rua ou Futebol 3, que possibilita que o jogo seja desenvolvido em três tempos. Na primeira parte, é um período de diálogo no pré-jogo, no qual os participantes se reúnem para debater e discutir quais serão as regras que eles aplicarão para jogar na segunda etapa da partida.
E o segundo tempo é o jogo em si, em que a ideia geral é que os acordos sejam cumpridos. E o terceiro tempo é quando os jovens fazem uma avaliação sobre as regras que foram construídas na etapa inicial, analisam se foram, de fato, executadas pelas duas equipes e discutem que melhorias poderiam ser aplicadas.
Detalhe: nestas partidas, os times ou grupos são mistos, com homens e mulheres misturados na mesma atividade. Na época, notou-se até que, com a inclusão das mulheres no jogo de futebol, a tendência da violência era menor.
E as regras podem ser as mais diversas possíveis, regras como o gol só tem validade se todos participarem da jogada, por exemplo. E esses jogos sempre têm um mediador, que tem um papel que vai além de um juiz ou árbitro.
E essa metodologia virou política pública lá na Colômbia, tamanho foi o sucesso que ela teve na resolução dos problemas locais. E baseado nesta iniciativa bem-sucedida, a Streetfootballworld foi fundada na Alemanha em abril de 2002.
E, desde então, somos uma grande rede global que une organizações por meio de um objetivo comum, que é o desenvolvimento social por meio do futebol. Reunimos organizações ao redor do mundo que usam o futebol como ferramenta para capacitar os jovens.
Então, a Streetfootballworld faz um trabalho em rede, o qual proporciona a troca de experiências e conhecimentos entre as organizações, profissionais de futebol, empresas, governos, fundações e membros que fazem parte desta mesma rede. Fazemos com que iniciativas locais se tornem globais.
Durante a Copa do Mundo 2006 na Alemanha, a Streetfootballworld organizou um festival com o Futebol 3, que foi marcante para nós. Isso porque, logo depois desta ação, a organização foi convidada pela Fifa para ser a principal consultora do projeto Football For Hope.
Já no Brasil, a ONG existe desde 2010 sempre com o objetivo de utilizar o futebol como ferramenta para o desenvolvimento social, capacitando pessoas envolvidas com o futebol, trazendo apoiadores para fortalecer o setor, promovendo o protagonismo juvenil, entre outras ações.
Além disso, fizemos um mapeamento aqui no Brasil das organizações que têm este mesmo objetivo e estamos promovendo a troca de informações entre elas. Porém, para um país do tamanho do Brasil, estas ONGs não são muitas.
O trabalho da Streetfootballworld é reunir organizações no Brasil e ao redor do mundo que usam o futebol como ferramenta para capacitar os jovens, conta Mirella

Universidade do Futebol – Quais as principais barreiras que um projeto como o da Streetfootballworld enfrenta para obter parceiros e financiamento para suas ações?
Mirella Domenich – Os desafios são os mesmos do que qualquer ONG enfrenta no Brasil. É sempre muito difícil o acesso ao setor que pode financiar ações como essas.
E esse setor não é grande no Brasil. Cresceu muito, mas ainda não é grande o suficiente. Então, sempre há muita dificuldade de se conseguir apoio. Falta também uma legislação que contribua mais com este cenário.
Acredito também que falta as empresas pensarem além das leis de incentivo. Falta um entendimento destas potenciais empresas apoiadoras destes projetos em relação ao trabalho desenvolvido pelas organizações. Por que sempre há muita sinergia com as empresas quando se quebra essa barreira do desconhecimento.
Capacitamos pessoas envolvidas com o futebol, trazemos apoiadores para fortalecer o setor, promovemos o protagonismo juvenil, entre outras ações, revela a gerente geral da ONG

Universidade do Futebol – Por favor, poderia nos contar quais os objetivos da Comunidade de Aprendizagem que a SFW está coordenando?
Mirella Domenich – A Comunidade de Aprendizagem surgiu em outubro de 2011 e, desde então, o nosso objetivo é reunir algumas organizações do Brasil que têm interesses em comum.
A ideia é de se criar essa comunidade para reunir pensamentos e propostas que tenham afinidades e na qual estes conhecimentos possam ser compartilhados.
Atualmente, são 30 organizações que participam dessa comunidade. São entidades de diferentes estruturas e que o futebol é o elo entre elas. E, com isso, pretendemos ampliar as interações entre estas organizações com as outras, já que a Streetfootballworld está presente em 60 países.
Com o futebol, você consegue trabalhar mais o sentido do coletivo, do grupo. Gera um senso de equipe nas crianças, aponta Mirella Domenich

Universidade do Futebol – Quais as características que um esporte como o futebol possui que são mais benéficas para um projeto social?
Mirella Domenich – Com o futebol, você consegue trabalhar mais o sentido do coletivo, do grupo. O senso de equipe. Com isso, a criança já começa a lidar com uma relação de interdependência com o time, o que mais tarde vai acontecer em relação à sociedade.
Além disso, o futebol pode desenvolver habilidades com coisas lúdicas, vários projetos sociais utilizam o futebol para ensinar gramática, por exemplo.
Então, essa paixão pelo futebol pode canalizar o jovem para outras áreas da vida.
É muito complicado para as ONGs pequenas se beneficiarem da Lei de Incentivo ao Esporte. São muitas exigências, o que faz boa parte destas entidades não se enquadrarem no perfil solicitado pelo governo federal. Então, acaba não sendo favorável, analisa

Universidade do Futebol – A Lei de Incentivo ao Esporte é favorável ou não para a utilização do futebol como promoção de desenvolvimento social no Brasil? Por que?
Mirella Domenich – Eu acho que a Lei de Incentivo ao Esporte dá brechas para isso, mas não é o forte dela. E acredito que, mesmo assim, ela não deveria ser utilizada só para o alto rendimento.
Então, ela acaba sendo uma lei para poucos. No entanto, o futebol como desenvolvimento social deve ser direcionado para muitos.
Além disso, as organizações precisam de um expert no assunto para se inscreverem na Lei de Incentivo ao Esporte. É muito complicado para as ONGs pequenas se beneficiarem dessa lei.
São muitas exigências, o que faz boa parte destas entidades não se enquadrarem no perfil solicitado pelo governo federal. E o próprio processo depois que a ONG é aprovada também é complexo. Então, acaba não sendo favorável.
Durante a Copa do Mundo 2006 na Alemanha, a Streetfootballworld organizou um festival com o Futebol 3 e, logo depois desta ação, a organização foi convidada pela Fifa para ser a principal consultora do projeto Football For Hope

Universidade do Futebol – No esporte, de que modo pode-se trabalhar a questão social sem decair no mero assistencialismo?
Mirella Domenich – Eu sempre digo que o trabalho voltado para o desenvolvimento social deva ser sempre em longo prazo. E o assistencialismo é em curto prazo.
A própria área de desenvolvimento social não é a favor de assistencialismo. Em casos extremos, como fome, por exemplo, até acaba se recorrendo a esta forma.
Mas, o objetivo do desenvolvimento social é desenvolver capacidades nas crianças e nos jovens para que eles sejam capazes do próprio desenvolvimento. São projetos de transformação em longo prazo.
A questão social tem sempre a ideia de continuidade. E como você consegue isso? Capacitando as pessoas para que elas mesmas se tornem agentes do próprio desenvolvimento. Que atinjam o patamar de protagonismo na própria família e na vida.

Universidade do Futebol – Como o SFW enxerga o papel dos clubes sobre a responsabilidade social do futebol?
Mirella Domenich – Eu acho que é um cenário de muitas oportunidades e que deve ser ainda muito melhorado. A responsabilidade social no futebol deve pensar no jovem como um ser humano completo e não somente como um jogador de futebol.
O jovem atleta não é preparado para a vida. Prepara-se o jovem apenas para uma carreira que é curta. Então, é preciso dar a devida formação a estes futuros cidadãos brasileiros.
E, outra coisa, os clubes precisam pensar na responsabilidade social desde as primeiras categorias de base. E não somente depois que ele chega ao profissional.
A questão social tem sempre a ideia de continuidade. E como você consegue isso? Capacitando as pessoas para que elas mesmas se tornem agentes do próprio desenvolvimento. Que atinjam o patamar de protagonismo na própria família e na vida, diz

Universidade do Futebol – Você acredita que é possível pensar a formação de jovens jogadores de futebol sem a criação de um programa que gerencie o crescimento pessoal, social e profissional de modo interdisciplinar?
Mirella Domenich – Eu acho que não deveria ser possível essa possibilidade, mas não é o que vemos por aí. Há muitos trabalhos de formação de jovens atletas sem essa preocupação pessoal, social e profissional de forma conjunta.
Afinal, é um ser humano que está entrando no clube. É um cidadão. E o clube não pensa nessa responsabilidade. Isso ajudaria no desenvolvimento até do próprio país.

No futebol, o jovem atleta não é preparado para a vida. Prepara-se o jovem apenas para uma carreira que é curta, analisa Mirella

Universidade do Futebol – Em sua opinião, como liberar o potencial de jovens, para que estes fortaleçam suas comunidades, alavanquem o desenvolvimento e promovam mudanças?
Mirella Domenich – Eu acho que por meio da Educação. Acredito que ela é fundamental neste processo. É a linha de base para tudo na vida. Por que, se houvesse isso, o projeto social seria como um complemento.
Vemos alguns projetos pilotos realizado por jovens que poderiam virar políticas públicas. Mas, para isso, é preciso mais interação governamental, o que ainda estamos muito longe de ser realizado.
.

quinta-feira, novembro 28, 2013

Futebol Feminino: Liga Cearense encaminha solicitação de dotação para a modalidade

Perspectiva para o futebol feminino em 2014 pode ser um pouco melhor
 
Se depender do esforço da Liga Cearense de Futebol Feminino (LCFF), 2014, ano da Copa do Mundo, poderá ser o marco de uma melhor condição para a modalidade no estado do Ceará. A fundamentação para isso é a cooperação parlamentar que a direção da LCFF, por intermédio de seu presidente, está tentando através da assessoria da Deputada Patrícia Saboya, que a partir do início deste ano aceitou e assumiu a condição honorífica de madrinha do futebol feminino. A parlamentar deu nome ao troféu do Campeonato Cearense deste ano [2013] e foi também a responsável pela abertura oficial da competição no Anexo da Assembleia Legislativa, com direito a coquetel e à presença de alguns parlamentares identificados também com a causa do esporte, tais como os vereadores Evaldo Lima e Iraguassú Teixeira.
                              
“A chancela da Federação [FCF], promotora da principal competição oficial do futebol feminino em nosso Estado, mais a parceria da Liga [LCFF], confere ao nosso projeto a credibilidade necessária para fazermos a reivindicação de uma emenda parlamentar que possa contemplar de algum modo à modalidade, e creio estar mais que justificada nossa iniciativa, que conta com o apoio do presidente [da FCF] Mauro Carmélio”, assegura Benê Lima, presidente da LCFF.
 
Depois de representar a LCFF e a FCF em eventos que tratam da discussão de políticas públicas como ferramenta de inclusão social, a LCFF tem transferido à FCF uma nova visão, olhar esse que perpassa o viés dos temas sociais marcados pela transversalidade, bem como a ter maior acuidade no trato do esporte como verdadeira ferramenta de inclusão social. Neste sentido, até mesmo a emancipação da mulher tem estado na pauta desses eventos, como condição libertadora para suas escolhas, entre elas o direito à prática do futebol. A experiência de diversas empresas do terceiro setor, como a Street Football World, tem se prestado ao crescimento dessas experiências. O recente Fórum Intermunicipal “Futebol para o Desenvolvimento – construindo um legado social com a juventude”, do qual participaram representantes governamentais das cidades-sede da Copa do Mundo 2014, representou mais um marco inestimável dessa interrelação entre iniciativa privada, terceiro setor e poder público.
 
Portanto, as precondições para a construção gradativa de um novo tempo para o esporte estão sendo pouco a pouco criadas, mas é imprescindível a participação e a cooperação  de todos. Essa é mais uma questão que envolve o mais pleno exercício de cidadania. Ademais, a troca de experiências se tem mostrado como o mais eficiente processo didático para um maior alcance social.

Benê Lima
E-mail: benecomentarista@gmail.com
Twitter: twitter.com/BeneLima1
Facebook: facebook.com/benelima
Blog: blogdobenelima.blogspot.com
Twitter: twitter.com/CiadoEsporte1

domingo, novembro 24, 2013

Leonid Slutsky, treinador do CSKA Moscou

"Ser treinador é uma arte", sintetiza o comandante do atual campeão russo

Equipe Universidade do Futebol*

Leonid Slutsky do CSKA Moscou emergiu como um dos mais promissores treinadores russos. No futebol daquele país, ele é relativamente jovem para ser um gestor técnico de campo, mas há evidência real de sua capacidade. Não só para lidar com um grupo de atletas, mas para liderá-los. Enquanto exibe uma clara consciência acerca da importância e da dinâmica de cada oportunidade para aprendizagem e desenvolvimento – a si mesmo e àqueles ao seu redor.

Nesta mesma entrevista concedida à Soccer Coaching International, parceira da Universidade do Futebol, Slutsky reconheceu a oportunidade para, possivelmente, aprender algo novo. E é só com esses atributos que ele se vê capaz de gerir as pressões de orquestrar uma equipe para jogar e aprender com os campeões da Premier League da Rússia.

A ascensão de Slutsky dentro do território natal dele é realmente extraordinária. Ele avançou a partir das ligas inferiores com o Olimpia Volgograd (1993-2001) a um dos principais postos de trabalho com o CSKA Moscou a partir de 2009. Mas como será que tal subida meteórica impactou o caráter pessoal e profissional?

"Não existe uma fórmula especial. Eu realmente não mudei como pessoa, mas eu tive que me adaptar muito como treinador. Foi muito difícil no início da minha carreira, mas sempre levei as coisas com constância no início, eu olhei para os outros para aprender. Isso me deixou na melhor posição para lidar com as demandas que enfrentamos hoje. Agora eu considero que eu assumo riscos, enquanto fico mais calmo do que antes”, revelou o treinador.

Neste bate-papo, ele também releva a preocupação com o desenvolvimento do futebol russo e por que ter estado por poucos minutos ao lado de José Mourinho influenciou tanto o seu jeito de pensar o jogo.
 


 

Universidade do Futebol – Fale um pouco sobre sua filosofia de trabalho à frente da equipe principal do CSKA Moscou.

Leonid Slutsky – Há dois aspectos principais no meu jeito de comandar o grupo. O primeiro é a gestão de pessoas. Asseguro que todos da comissão técnica têm possibilidade para refletir a partir de uma mesma ética de trabalho. Buscamos permanecer focados na tarefa, sempre a partir de um equilíbrio, buscando a felicidade no trabalho.

O segundo é o aspecto do futebol, dentro desta filosofia e da metodologia de treinamento, mas que está diretamente relacionado ao cumprimento do primeiro objetivo. 

A gestão certa de pessoas é a base para todos os detalhes. Isso se reflete na pressão de assumir o comando de 15 ou mais jogadores estrangeiros, cada qual focado apenas no próprio crescimento e desempenho profissional, e não realmente interessado no que o treinador pode ensiná-lo.

De certa forma, isso simplifica a minha tarefa de incutir disciplina e fazer com que os jogadores atuem da maneira que eu necessito para o time.

Neste nível, eu tenho me tornado mais “cínico” como treinador: sou mais exigente e explico menos as minhas decisões. Esta estrutura simples mantém relações entre os jogadores e o corpo técnico, e isso é mais importante para mim do que a sua atitude individual.



Para treinador do CSKA Moscou, gestão certa de pessoas é a base para todos os demais detalhes no futebol

 

Universidade do Futebol – E já teve de encarar muitos problemas? Como é o seu contato com os jogadores mais jovens?

Leonid Slutsky – Recentemente, Oleg Veretennikov, ex-atacante russo e recordista de gols de todos os tempos no país (257) veio até a minha comissão para pedir um estágio, e enquanto ele estava lá, eu perguntei a alguns dos meus jogadores se eles o reconheceriam. Nenhum o reconheceu!

Mesmo quando eu lhes disse o nome, eles ainda estavam se perguntando: “Quem é?”.

É ainda muito estranho que no clube muitos jogadores nem sequer sabiam o nome de Oleg Blokhin, lenda absoluta do futebol soviético, que venceu sete campeonatos nacionais (URSS) com o Dinamo de Kiev, três copas européias e foi condecorado com a Bola de Ouro em 1975.

Universidade do Futebol – De que maneira os treinamentos podem beneficiar a produção de seus atletas nos jogos?

Leonid Slutsky – Minha principal tarefa com a organização da sessão de treinamento é fazer com que cada jogador pense que o treinamento é individual, para ele, para que cada exercício ou aspecto do treinamento seja efetivo para a sua própria melhoria. E tal situação é difícil de ser criada.

É muito importante determinar as características dos jogadores que podem ser melhoradas. Estou me concentrando atualmente em melhorar os pontos fortes dos jogadores, mas não excluindo as fraquezas. Se um jogador de 23 anos não é capaz de realizar um chute preciso com o pé não dominante, eu não vou ensiná-lo a fazer. O resultado máximo dos meus esforços será de 10% de progresso. Não vale a pena o alto percentual de informação que eu precisaria investir em um pequeno incremento do desenvolvimento dele.

Nós sempre prestamos atenção especial aos jogadores e à equipe adversária: quais são os pontos fortes, onde estão os pontos fracos, quais as áreas do jogo e em que zonas eles costuma atuar mais, etc. Usamos essa análise para construir a preparação do treinamento e o desenvolvimento da estratégia de jogo. Esta perspectiva é uma ferramenta muito valiosa.

 




Liderança e Coesão de Grupo no Futebol: faça agora mesmo o curso online da Universidade do Futebol

 

Universidade do Futebol – Poderia citar alguns exemplos práticos?

Leonid Slutsky – Sim! Quando cheguei ao CSKA, identifiquei os jogadores que realmente poderiam controlar a bola em inúmeras situações, sem perdê-la e, então, seriam capazes de distribui-la com qualidade. Para começar, eu diria que havia apenas cinco desses jogadores e, agora, há pelo menos oito. Houve progresso.

Aqui no clube nós não tentamos fazer com que os jogadores sejam completamente independentes, mas certamente devem saber suas funções e responsabilidades, tanto ofensiva, quanto defensivamente. Não importa apenas em que posição eles atuam dentro de campo – importa, também, a tomada de decisão de tratar com os aspectos do jogo: quando pressionar, interceptar, marcar, cobrir ou ficar no local de origem, quando passar, manter, ou correr com a bola, quando se mover e para onde, em que momento dar o apoio, quando jogar imaginativamente, etc. 


Universidade do Futebol – Como se dá a integração com o departamento de formação de atletas do clube?

Leonid Slutsky – Eu não tenho tanta influência sobre as categorias de base do CSKA. Não está dentro da minha jurisdição e não é minha filosofia ditar o que os treinadores devem fazer, mas posso, claro, dar a minha perspectiva sobre algumas coisas. E se eles precisam ou querem mais detalhes, a porta da minha sala está sempre aberta.

Coaching é uma arte, e ele está evoluindo o tempo todo no que você faz. Somos flexíveis para refletir e mudar o que já fazemos e também para sermos inovadores e criativos em cima de uma tela em branco.

Recentemente, descobrimos na base que dentro do grupo mais jovem, havia mais jogadores na equipe titular que vieram de fora de Moscou do que os nativos. Mas, com bastante frequência, com a idade de 16 ou 17 anos, este número de jogadores diminui com moscovitas em ascendência. A principal razão para isso é que aqueles estrangeiros estão em instalações e alojamentos, enquanto que os de Moscou são criados dentro de suas famílias, para que seja proporcionado um maior nível de cuidado pastoral e apoio.

Isso não quer dizer que aqueles de fora não recebam esses cuidados, porque o clube os proporciona. Mas é algo muito relevante, sim, contar com o suporte da família neste período de maturação.
 


"Não é minha filosofia ditar o que os treinadores devem fazer, mas posso, claro, dar a minha perspectiva sobre algumas coisas", diz Slutsky

 

Universidade do Futebol – Quais são as suas referências sobre futebol e como procura se manter informado?

Leonid Slutsky – Quando eu trabalhava no Olimpia Volgogrado, eu assistia a futebol 24 horas por dia, mas agora eu raramente faço isso. De qualquer maneira, posso facilmente citar os titulares e reservas de qualquer clube nas ligas europeias. E na Liga Russa, eu sei tudo sobre todos, desde estatísticas de desempenho, a aspectos individuais.

Em minha opinião, há cinco clubes que pensam mais à frente no sentido do futebol ofensivo: Barcelona, Manchester United, Bayern de Munique, Real Madrid e Borussia Dortmund. Eu tento assistir a cada jogo destas equipes e acompanhar todas as notícias delas. Eu também leio todas as entrevistas com os jogadores e treinadores destes clubes.

Ter encontrado o Mourinho, por exemplo, me influenciou muito. Conversamos por cerca de uma hora. E aqueles foram possivelmente os mais influentes 60 minutos na minha perspectiva de treinamento e filosofia.

Depois disso, eu conversei por mais quase três horas com o seu assistente, que também foi muito receptivo e interessante.

Sir Alex Ferguson não foi revolucionário ou inovador. Ele foi simplesmente fantástico na gestão de uma equipe de estrelas, fazendo uma função bastante comum, mas muito eficiente dentro dessa equipe.

Luciano Spalletti me impressionou, também, mesmo quando ele estava trabalhando na AS Roma. Eu me lembro que tivemos uma pré-temporada na capital italiana, e trabalhamos no campo daquele clube. Foi uma experiência única e gratificante.

 

Confira entrevista com Nuno Amieiro, ex-treinador adjunto do FC Porto e autor do livro "Mourinho: Porquê tantas vitórias" 


Universidade do Futebol – Como você enxerga o futuro do futebol russo?

Leonid Slutsky – A política dos clubes influencia muito o que fazemos, até mesmo o nosso estilo de uma forma direta. Sabemos quais as posições na equipe que devem ser ocupadas por jogadores russos e, como todos os novos jogadores vão ser jovens, temos que considerar quando cada um destes vai deixar o time.

Jogadores são importantes para o estilo de jogo da equipe, e no futebol a personalidade e o caráter das individualidades continua a crescer. E desenvolver a personalidade é tão importante quanto o futebol.

Eu não sou um treinador de categoria de base agora, e eu não posso subestimar o trabalho de um treinador de jovens atualmente. Precisamos de uma seleção de técnicos na Rússia a partir da vastidão de talento que temos e desenvolvê-los e dar-lhes a oportunidade de aprender e trabalhar em alto nível. Assim, isso será transferido para os jogadores.
 



"Precisamos de uma seleção de técnicos na Rússia a partir da vastidão de talento que temos e desenvolvê-los e dar-lhes a oportunidade de aprender e trabalhar em alto nível", crê Slutsky

 


*Tradução: Thales Peterson